2013-03-11

Matemática em Portugal



Recentemente reparei neste livro do Jorge Buescu que constatei, depois de comprar, já ter sido publicado em Maio de 2012.

O livro defende a tese muito razoável que nunca tivemos matemáticos de grande projecção internacional porque na maior parte da história de Portugal o ensino da Matemática foi muito débil ou mesmo inexistente.

Um dos temas que traz mais leitores a este blogue é o analfabetismo em Portugal que, a par da inumeracia, refiro em 3 posts e esse analfabetismo gigantesco, verdadeira vergonha nacional que nos coloca na posição de excepção europeia, é mais uma manifestação do desprezo atávico da maioria da nossa sociedade pelo estudo e pelo conhecimento, sugerindo que não seria de esperar grandes avanços científicos neste jardim à beira-mar plantado. A presença do ministro Relvas no actual governo é uma materialização do Portugal profundo, que despreza o esforço do estudo valorizando em alternativa a “chico-espertice”.

Da leitura do livro retive de memória o seguinte (com uma ou outra reverificação):

- Enquanto no centro da Europa os algarismos trazidos pelos árabes começaram a ser usados a partir do século X, em Portugal continuou-se a usar a numeração romana até ao século XV, altura em que é publicado o primeiro manual de Aritmética, de Gaspar Nicolas em 1519, contendo as tabuadas e um algoritmo para multiplicar dois números equivalente ao que é hoje ensinado nas nossas escolas. Parece-me provável que estes métodos já fossem conhecidos em Portugal por esse tempo mas é impressionante que fosse um conhecimento tão pouco disseminado que só em 1519 apareça o primeiro manual que chegou aos nossos dias.

- Pedro Nunes (1502-1578) foi um matemático notável no seu tempo mas foi uma excepção, que não resultou da existência de um conjunto apreciável de matemáticos bons, nem deixou escola.

- O que mais me surpreendeu no livro foi o seu capitulo 5 intitulado “A catástrofe pombalina na Educação”. Neste capítulo o autor avança a tese que a expulsão dos Jesuítas de Portugal em 1759 assumiu as proporções de uma verdadeira catástrofe, ao suprimir de um dia para o outro o único ensino público existente em Portugal deixando 20000 alunos do ensino secundário, que frequentavam os colégios dos Jesuítas, sem professores. Assim, a magnífica reforma realizada pelo Marquês no ensino universitário sofreu do problema da falta de alunos. Este número de 20000 alunos no ensino secundário apenas voltaria a ser atingido no princípio do século XX, isto é, 150 anos depois. Citando Henrique Leitão: “As correntes historiográficas dominantes durante o século XIX e quase todo o século XX olharam para estes acontecimentos de forma pouco crítica, tomando como base das suas análises os textos da própria propaganda pombalina...”. Senti-me defraudado nesta omissão do que me ensinaram de História no liceu e do que (não) tenho ouvido falar sobre este tema. E faz-me pensar na frase “custe o que custar”, que poderia ter sido utilizada pelo Marquês na necessidade imperiosa que ele sentiu de expulsar os Jesuítas, ou na frase “manter o rumo” (de Wolfgang Schäuble, implicitamente dizendo também “sem hesitar ao ver o que está a acontecer”), frases tão caras ao actual primeiro-ministro de Portugal.

- O autor alega ainda que a purga feita em 1947 de uma vintena de professores universitários, entre eles alguns matemáticos, alegadamente simpatizantes de ideias comunistas, se bem que lamentável apenas teve consequências importantes no ensino da Matemática em Portugal por o número de professores universitários dessa área ser tão reduzido.

- Na parte final do século XX houve progressos muito significativos na investigação Matemática em Portugal.

Mais outro livro da Fundação Manuel dos Santos cuja leitura se recomenda para pessoas interessadas no tema.

9 comentários:

Miguel disse...

O Jorge Buescu apresenta cita os estudos a que recorreu para substanciar o que afirma terem sido os efeitos da expulsão dos jesuítas no ensino?

jj.amarante disse...

Miguel, uma das fontes foi Henrique Leitão, que tem uma citação no post e que trabalha aqui: http://chcul.fc.ul.pt/membros/henrique_leitao.htm; quando chegar a casa vou ver se cita mais estudos no livro.

jj.amarante disse...

Fiz o scan da bibliografia do livro que coloquei aqui: https://picasaweb.google.com/lh/photo/wXaA5d1fjQAeWROvVN9Tb9MTjNZETYmyPJy0liipFm0?feat=directlink

Miguel disse...

Obrigadíssimo! O livro parece, de facto, interessante. Vou espreitar tudo isso em breve quando for a Portugal. E o trabalho do Henrique Leitão (que não conhecia) também parece valer a pena.

Anónimo disse...

Perdón por no escribir en portugués, pero curioseando sobre el tema me entero de que los jesusitas fueron expulsados de Portugal no sólo en 1759, tambien en 1834 (en el contexto de las guerras liberales) y en 1910 (en el contexto de la revolución del 5 de octubre de 1910) y pregunto ¿siempre con resultados parecidos en cuanto a incapacitación de la población?
Jaime Sanchiz

jj.amarante disse...

Olá Jaime, a tua pergunta fez-me começar a escrever um post mas não vou ter tempo para o publicar agora. Acho que das outras duas vezes não foi tão dramático para o ensino em Portugal porque entretanto se deve ter feito alguma coisa para se criar um ensino público sem contar com a colaboração dos Jesuítas. Mesmo assim os colégios Jesuítas que existem agora em Portugal são dos melhores do país pelo que a ausência dos Jesuítas no ensino em Portugal privou-nos dum ensino de qualidade, que nos deve ter feito falta, dada a situação de carência educativa em que vivemos há tanto tempo por cá.

Anónimo disse...

Olá JJ
¿en que apercibes esa "situação de carência educativa" no Portugal de oje?

jj.amarante disse...

Por exemplo nesta estatística (http://www.pordata.pt/Europa/Populacao+entre+os+25+e+os+64+anos+que+completou+pelo+menos+o+ensino+secundario+%28ISCED+3%29+total+e+por+sexo+%28percentagem%29-1349) onde se vê que na "População entre os 25 e os 64 anos que completou pelo menos o ensino secundário (ISCED 3)" a UE tinha em 2011 73,4% enquanto Portugal não passava dos 35%, embora se tenha aproximado da Europa de 1992 a 2011, não foram anos perdidos, no que diz respeito a neste tema.

Alvor-Silves disse...

Não é verdade que não se tenha dado relevância à matemática.
Se me recordo é Frei Luís de Sousa que refere que, no Séc. XVI, era dada à matemática uma relevância igual à da esgrima, no ensino aos jovens nobres.

A perda de independência fez notar logo uma regressão no ensino. Mas depois a "censura" continuou com facetas mais eruditas... o padre Carvalho da Costa, no seu Tratado de Astronomia dava uma ideia:
http://alvor-silves.blogspot.pt/2011/02/erro-na-longitude.html

Mas, sim tem razão, o "abalo de Sebastião" foi bem maior:
http://alvor-silves.blogspot.pt/2011/10/abalos-de-sebastiao-marques.html

e a propalada reforma universitária, teve entre outros objectivos arrasar com a Torre de Hércules em Coimbra, com o pretexto de construir um Observatório Astronómico... coisa que só praticamente se veio a concretizar já no Séc. XX.

Cumprimentos