2012-04-29

Japão em Florença


Desta vez não tive tempo para revisitar a Galleria degli Uffizi e aproveitei o pouco tempo que tive disponível para visitar o Palazzo Pitti, cuja fachada agressiva é mostrada aqui ao lado. O acabamento incompleto das pedras e o enorme tamanho de cada uma fazem pensar mais num castelo do que num palácio, dando a entender a possíveis invasores que o dono da mansão é um brutamontes que não deve ser perturbado.

Entre este palácio e o palácio velho, na outra margem do rio Arno, existe uma galeria coberta e sobrelevada, com todas as janelas gradeadas, que permitia aos senhores de Florença deslocarem-se em segurança de um para o outro palácio. Estes pormenores arquitectónicos são um forte indício de que os senhores se sentiam pouco seguros, não confiariam no amor dos súbditos.

O palácio tinha muitas salas sumptuosas e numerosos quadros de pintores de grande fama. Havia salas com grande concentração de quadros, dispostos em duas ou mesmo três fiadas horizontais, talvez porque noutras não podiam ser expostos por causa da existência de frescos nas paredes ou por incompatibilidade com a decoração. Em Itália, dada a abundância de obras de arte de grande qualidade, um quadro que noutro sítio do globo teria direito a grandes honrarias, aqui tem maior dificuldade em se destacar. E a fama da galeria dos Uffizzi é justificada, contem uma selecção melhor.

Toda esta introdução parece-me constituir explicação suficiente para ter acabado por seleccionar imagens de artesanato japonês que estava em exposição neste palácio. Como desculpa final alego que Florença foi um dos sítios da Europa onde o interesse pela arte japonesa se manifestou mais cedo, pelo que estou bem acompanhado.

Passo então a mostrar um contentor em pasta de vidro



acompanhado por esta etiqueta:
«
ISHIDA Wataru (1938-)
Covered Container,
2000
Pâte de verre, h: 14.3 cm, Ø: 26.3 cm
The National Museum of Modern Art, Tokyo, Inv. No. GI0129
Cat. 102
»
que pode ser visto também aqui

depois um cesto de flores, que ficou desfocado



com esta etiqueta:
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FUJINUMA Noboru (1945-)
Flower Basket, Ki
1992
Bamboo, h:23 cm, w: 55 cm
The National Museum of Modern Art, Tokyo, Inv. No. Bm0027
Cat. 100
»
referido também no Art Institute of Chicago

a seguir mostro um vaso de prata martelada, que chamaram dragão subaquático



com esta etiqueta:
«
ÖSUMI Yukie (1945-)
Vessel, Underwater Dragon
2009
Hammered Silver, h: 25 cm, w: 25cm, d: 25 cm
The National Museum of Modern Art, Tokyo, Inv. No. Mtk849
Cat.89
»

mostrando ainda outra foto do mesmo objecto, num ângulo menos vertical




É nestas alturas que se nota alguma distância entre o Ocidente e o Japão (ou a China, etc.), nenhum destes nomes de artistas tem uma entrada na Wikipédia, ou talvez exista uma versão mas em língua sem caracteres latinos.

2012-04-28

O direito de voto das mulheres






O título deste blogue contem uma alusão fonética ao contexto das imagens que o povoam, sendo esse contexto dado pelo texto que as acompanha.


Muitas vezes esquecemo-nos do contexto dos fenómenos sociais, quer espacial quer temporal.


É por isso que gosto tanto de mapas históricos onde se pode contemplar a evolução de um fenómeno simultaneamente no espaço e no tempo.


No Palazzo Vecchio (imagem aqui ao lado) em Florença  está no átrio uma pequena exposição sobre os direitos democráticos, onde estava este mapa histórico sobre os direitos de voto das mulheres.




Neste tema não fomos percursores mas houve países mais atrasados na Europa. Lembrava-me que na Suíça o direito só tinha sido conquistado tardíssimo, verifiquei agora aqui que foi em 1971 (o meu colega suíço lembrava-se de 1972) e fiquei surpreendido por na Grécia ter sido só depois de 1950 (no sítio que referi têm 1952).

Antes do 25 de Abril de 1974 este direito das mulheres em Portugal não lhes servia para grande coisa, dada a inexistência de eleições livres, mas há imensas coisas como, por exemplo, o direito de voto das mulheres ou o direito a eleições livres que se "naturalizam" rapidamente, dando a ilusão que sempre foram assim. Há um lado positivo nesta "naturalização", são assuntos considerados resolvidos.

Além desta falta de sentido temporal existe também uma falta de consciência da situação no espaço.

Neste caso fiquei surpreendido por em todo o Mundo as mulheres só não terem direito de voto na Arábia Saudita. Não se fala muito desta situação de país actualmente único nos meios de comunicação social.

2012-04-20

Charley Harper (3)


Depois dos dois posts sobre o Charley Harper, aqui e aqui, acabei por comprar o livro Birds & Words, bom para ver as imagens com vagar e para revisitar de vez em quando.

Neste livro constam 60 figuras, todas com cerca de 17 x 11cm, cada uma com um pequeno texto alusivo. Nelas se inclui esta versão grande da Garça da capa (Egret ou às vezes Heron em inglês), mostrada na fase em que perde muitas penas.







Dessas figuras mostro ainda uma imagem de um bando de estorninhos






que me fizeram lembrar este extraordinário filme do Youtube, mostrando bandos imensos de estorninhos evoluindo no céu de Roma



2012-04-15

Inumeracia



A palavra tem pouco uso na língua portuguesa, quase que não temos o conceito de pouca familiaridade com os números e com as ordens de grandeza das características numéricas de fenómenos dos mundos físico, económico ou social que nos rodeiam. No Google este termo deu-me 869 resultados e nesta entrada do Ciberdúvidas referem também a palavra inumerismo. Enquanto “inumeracia” será um anglicismo derivado de “innumeracy”, “inumerismo” parece ter uma formação mais consistente com analfabetismo. Mas prefiro inumeracia e é o que vou usar.

Tive o primeiro contacto com este conceito ao ler em Maio/1982 o ensaio de Douglas Hofstadter “On Number Numbness” (disponível em .pdf aqui ) na rubrica “Metamagical Themas” da revista Scientific American. A colectânea de ensaios Metamagical Themas foi reunida em livro que já referi a propósito do Cubo de Rubik, do Reconhecimento de padrões e da Ubiquidade da omissão. Dizia o autor que tinha dificuldade em compreender porque não havia na sociedade uma censura tão grande à ignorância dos números como a que existia em relação às palavras.

Este não é um fenómeno específico da América, são inúmeros os casos de confusão de uma ou mais ordens de grandeza nos jornais que se publicam em Portugal, onde a situação será provavelmente pior.

Às vezes penso que em Portugal passámos a grande velocidade da Idade Média em que a maior parte das coisas era uma questão de fé ou de autoridade divina ou do seu representante na terra para um pós-modernismo em que todas as opiniões se equivalem, havendo sempre grande dificuldade em aceitar por cá aquele conceito Iluminista de que também existe um mundo objectivo independente da nossa fé, da nossa vontade ou da nossa opinião. À ausência de conhecimento numérico do mundo físico adiciona-se a constante ausência de conhecimento numérico das finanças portuguesas, com todos os governos a descobrir pesadas heranças e grandes buracos nas contas públicas. Ainda a propósito de contas não resisto a citar um uma dúvida do Engº Ferreira Dias, facilmente aplicável aos argumentos que os nossos políticos usam quando estão no governo e quando estão na oposição:

« …
O primeiro refere-se ao cálculo do preço de custo do kWh. Há contas-tipo de quem compra e contas-tipo de quem vende: e o mesmo indivíduo colocado nos dois lados da barricada com uma hora de intervalo renega serenamente da segunda vez as contas que defendeu da primeira. Chega a preocupar esta espécie de uniformidade profissional dos vendedores por um lado e dos compradores pelo outro, como se houvesse entre êles um voto secreto. Não se pensa que lhes falta sinceridade: chega-se antes a ter a convicção de que não existe o livre arbítrio.

In “Estatística das instalações eléctricas em Portugal referente ao ano de 1936”, Junta de Electrificação Nacional, 31 de Agôsto de 1937. – O Engenheiro Presidente. Ferreira Dias.
»

Gostaria ainda de referir o livro de John Allen Paulos intitulado precisamente “Innumeracy”, que mostra as consequências muito desagradáveis e infelizmente tão frequentes da ignorância generalizada sobre Matemática e particularmente sobre Probabilidades e Estatística.

Há também uma referência ao paradoxo de Condorcet e ao teorema da impossibilidade de Arrow que tratam das dificuldades na escolha de uma preferência entre 3 ou mais possibilidades através de votação. O paradoxo de Condorcet foi apresentado no século XVIII e mostra que para um dado sistema de votação, que à primeira vista parece razoável, existem situações em que dá resultados insatisfatórios. O teorema de Arrow é mais geral, constituiu a sua tese de doutoramento em 1951 e demonstra a inexistência de sistemas de votação que, para escolher entre 3 ou mais alternativas, dêem resultados que gozem de propriedades que parecem razoáveis, quaisquer que sejam as preferências dos votantes.

A conclusão não é tão grave como parece à primeira vista, existem sistemas de votação que dão resultados satisfatórios na esmagadora maioria dos casos, embora existam situações limite em que não são perfeitos. O teorema de Arrow tem a enorme vantagem de mostrar que a busca de um sistema de votação perfeito é inútil porque ele não existe, temos que nos contentar com um que seja muito bom. Há neste sentido de inutilidade de busca da perfeição absoluta, uma afinidade com o teorema da incompletude de Gödel “no qual afirma que qualquer sistema axiomático suficiente para incluir a aritmética dos números inteiros não pode ser simultaneamente completo e consistente”.

Gostei dum caso interessante com dados de 6 faces em que os dados, em vez de terem em cada face o conjunto {1, 2, 3, 4, 5, 6}, têm a seguinte composição:

- dado A: {4, 4, 4, 4, 0, 0}
- dado B: {3, 3, 3, 3, 3, 3}
- dado C: {2, 2, 2, 2, 6, 6}
- dado D: {5, 5, 5, 1, 1, 1}

Se lançarmos A e B constataremos que em 2/3 dos casos o dado A terá a face de cima com um valor maior do que o dado B. Para o par B e C, B “ganha” em 2/3 dos casos, para o par C e D, C ganha em 2/3 dos casos. O que me surpreendeu foi que no par D e A, o dado D ganha em 2/3 dos casos! Trata-se de uma ordenação (parcial) não transitiva em que A é “maior que” B, B “maior que” C, C “maior que” D mas D é “maior que” A! No dia a dia, por exemplo no futebol, uma pessoa sabe que isto acontece, mas fiquei surpreendido com este resultado numa situação tão simples de 4 dados de 6 faces, em comparação com a complexidade das técnicas e das forças de ânimo das equipas de futebol.

2012-04-11

Beatriz Milhazes - 4 Estações

Está a decorrer uma exposição de obras de Beatriz Mihazes, no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, de 17/Fevereiro a 13/Maio (ou será 20?) conforme referido aqui.

Fiz em tempos dois posts em que referi quadros desta artista, aqui e aqui, embora este último não se refira apenas a ela.

O núcleo da exposição é um conjunto de 4 quadros, alusivos às 4 estações do ano, de grandes dimensões, todos com a mesma altura mas com larguras diferentes, em sintonia com a duração desigual de cada estação.

Aqui está uma visão do conjunto



seguida por imagens individuais de cada estação, todas com 478 pixels de altura.

A Primavera:


o Verão



o Outono


e o Inverno


Para finalizar deixo a vista de uma janela sobre o Jardim Gulbenkian, uma das características muito agradáveis da Fundação.



2012-04-09

Aryabhata (476-550)


As datas do nascimento e morte deste homem estão expressas em notação decimal, em romano seria (CDLXXVI – DL) relembrando-nos a complicação da numeração romana. Pensei agora que os romanos tinham engenheiros extraordinários, para conseguirem fazer tanta coisa com o único sistema de numeração que tinham disponível!

O nome do matemático indiano que inventou a representação decimal dos números não era divulgada com suficiente detalhe quando eu passei pelo ensino em Portugal. Nessa altura referia-se que esta notação tinha sido trazida pelos árabes para a Europa e também que esse conhecimento tivera origem na Índia, mas sem dar qualquer relevo ao nome do matemático em questão, ao mesmo tempo que aprendíamos muitos nomes de matemáticos gregos importantes.

Existe uma entrada em Português na Wikipédia sobre ele bem como uma em inglês, mais completa, como é habitual em temas científicos e de outra natureza.

Tenho muita dificuldade em evitar o pensamento de que dar relevo a matemáticos indianos poderia colocar alguma dúvida na então indubitável superioridade dos povos europeus sobre todos os outros.

De qualquer forma quando se pensa na dificuldade que seria uma simples soma de dois números expressos, por exemplo, na numeração romana, com a simplicidade da mesma operação aritmética se os números estiverem em notação decimal, é fácil constatar como o nome deste matemático indiano deveria ser muito mais conhecido no Ocidente.

É curioso que o algarismo zero, embora implícito na notação decimal, não teve direito imediato a uma representação como é agora norma. O zero era representado por um espaço vazio ou por um ponto, tendo passado algum tempo até surgir representado de forma explícita como qualquer outro algarismo.


2012-04-07

São Tomé e o Cristo vestido na cruz


Em Chennai existe a Basílica de São Tomé, mostrada na foto ao lado, uma das 3 basílicas alegadamente contendo relíquias de apóstolos de Jesus Cristo, as outras duas sendo a de S. Pedro em Roma e a de Santiago de Compostela. Este edifício da igreja católica foi construído no século XIX pelos ingleses, substituindo uma igreja construída no mesmo sítio pelos portugueses no século XVI.

Tenho uma vaga memória de ouvir referências à existência de cristãos na Índia quando os portugueses lá chegaram, falava-se até da demanda do caminho marítimo para a Índia também como uma forma de reencontrar os cristãos lá existentes. Do que li agora nalguns sítios da internet fiquei com a sensação que deverão ter ocorrido alguns problemas no reencontro por a comunidade cristã existente no sul da Índia seguir o rito sírio (talvez também designado por “Nestoriano”), conforme referido aqui.

Nesta igreja fui surpreendido pelo crucifixo no eixo central da basílica, representando um Cristo todo vestido, embora à direita da imagem esteja outro crucifixo com um Cristo despido na forma mais habitual no Ocidente.


Na imagem seguinte pode-se constatar que o Cristo referido está pregado na cruz, os pés não são atravessados por um prego único está vestido de forma bastante completa, ficando à vista apenas a cabeça, as mãos e os pés e tendo uma coroa “de rei” na cabeça em vez da coroa de espinhos. Como pormenor dando um sabor local temos ainda dois pavões, a ave nacional da Índia, enriquecendo a composição.


Fiquei a fazer conjecturas sobre a razão para esta variação em relação à representação quase standard do Ocidente e conjecturei mais tarde que talvez fosse para fazer uma distinção das representações das divindades hindus, que costumam ter o tronco nu, à semelhança aliás dos sacerdotes dos templos hindus. Na internet descobri uma referência ao uso de “colobium” aqui (The catholic encyclopedia). Nesse site está este texto:

«…
In the artistic treatment of
          the crucifix there are two periods: the first, which dates from
          the sixth to the twelfth and thirteenth centuries; and the
          second, dating from that time to our own day. We shall here
          treat only of the former, touching lightly on the latter. In the
          first period the Crucified is shown adhering to the cross, not
          hanging forward from it; He is alive and shows no sign of
          physical suffering; He is clad in a long, flowing, sleaveless
          tunic (colobium), which reaches the knees. The head is erect,
          and surrounded by a nimbus, and bears a royal crown. The figure
          is fastened to the wood with four nails (cf. Garrucci, "Storia
          dell' arte crist.", III, fig. 139 and p. 61; Marucchi, op. cit.,
          and "Il cimitero e la basilica di S. Valentino", Rome, 1890;
          Forrer and Mueller, op. cit., 20, Pl, III, fig. 6). In a word,
          it is not Christ suffering, but Christ triumphing and glorious
          on the Cross. Moreover, Christian art for a long time objected
          to stripping Christ of his garments, and the traditional
          colobium, or tunic, remained until the ninth century. In the
          East the robed Christ was preserved to a much later date. Again
          in miniatures from the ninth century the figure is robed, and
          stands erect on the cross and on the suppedaneum.
»

Na imagem acima a túnica tem mangas mas nesta representação, que fui buscar a este artigo da wikipédia sobre o crucifixo na arte, aparece Cristo na cruz vestido com um “colobium”, uma túnica sem mangas, enquanto os ladrões crucificados que o rodeiam estão apenas com uma tanga.


A imagem tem a legenda: “The earliest crucifixion in an illuminated manuscript, from the Syriac Rabbula Gospels, 586 CE”.

Para finalizar esta digressão por variações da representação de Jesus Cristo na cruz mostro esta imagem do mesmo artigo da wikipédia, mostrando um Cristo encostado a uma cruz, na posição de lótus como um Buda, de cristãos japoneses:


2012-04-04

Ratos


Surpreendi-me ao reparar nas estátuas de ratos nesta cobertura de um pavilhão dentro do recinto do templo de Kapaleeswarar, em Chennai.



Quando indaguei o guia sobre o motivo da representação de animais tão pouco auspiciosos, respondeu-me que eram animais simpáticos pois a sua presença era um indício de fartura de comida.

Vagueei um pouco pela net a ver se descobria alguma confirmação desta interpretação tão positiva, sem grande sucesso. Aprendi entretanto que a montada do deus Ganesh, aquela figura humana com cabeça de elefante que aparece por toda a parte na Índia, é precisamente um rato, certamente o motivo para estar representado aqui. Neste artigo da Wikipédia fala um bocado de ratazanas e ratos, a má memória que temos deles na Europa deve-se às epidemias de peste da Idade Média, em cuja propagação os ratos tiveram um papel importante.

O deus Ganesh remove obstáculos, motivo para a sua enorme popularidade, e li que a montada será um rato porque estes animais conseguem chegar a toda a parte.