2012-05-18

Os valores dos antepassados


Há uns tempos, a propósito do comportamento irregular do comandante do navio que naufragou junto à costa de Itália, o historiador Rui Ramos lamentava no jornal Expresso a falta de valores da sociedade contemporânea, em comparação com os valores doutros tempos, designadamente com o comportamento do comandante do Titanic, que se afundou com o navio.

Irrita-me muito este tipo de discurso, conservador, no sentido de considerar que os valores de antigamente eram melhores do que os de hoje, paternalista, ao considerar que as gerações mais jovens são incapazes de aperfeiçoar a herança deixada pelos pais.

Em todos os tempos há momentos melhores e outros piores, há gestos mais ou menos nobres, normalmente cada geração tenta tornar o mundo melhor do que o recebeu, o sucesso nunca está garantido mas tão pouco o insucesso.

A própria frase, relativamente comum, de que é errado julgar o passado com os padrões actuais, encerra implicitamente a noção de que temos actualmente padrões mais exigentes.

Já falei em tempos do narcotráfico a que se dedicavam alguns dos nobres súbditos da rainha Vitória, gente por vezes considerada da maior estatura moral. Já nessa altura a imperatriz chinesa tinha padrões que condenavam o tráfico do ópio, que levou à vergonhosa guerra do ópio que refiro no post.

Desta vez recordei-me mais uma vez desses alegados valores doutros tempos ao visitar o “Fort Museum” em Chennai, onde além de alguns quadros de dignitários ingleses estava esta coluna com um baixo relevo representando a entrega por Tipu Sultan,  o soberano de Mysore, dos seus dois filhos para ficarem como reféns do nobre Lord Cornwallis.

Pelo artigo da wikipédia deduzi que a cena edificante se terá passado em 1792.



Não seleccionei a Inglaterra em ambos os exemplos por ser pior que as outras potências europeias incluindo Portugal mas, dada a maior dimensão do império britânico, talvez seja mais fácil encontrar estas actividades menos nobres que costumam estar na origem dos grandes impérios.

3 comentários:

Helena Araújo disse...

Às vezes as coisas mais evidentes escondem-se por trás de lugares comuns falsos.
Obrigada por estes apontamentos que nos levam a refocar o que dizemos!

Talvez se possa resumir nisto: em todos os tempos há coisas boas e más. É ilusório comparar o pior de hoje com o melhor de ontem.

António Viriato disse...

Meu caro J.Amarante,

Em primeiro lugar, parabéns pelo blogue bastante original que aqui encontrei, casando textos com imagens, algumas destas extraordinariamente elaboradas, além dos textos, claro, interessantes e também originais, denotando exercício judicativo autónomo, próprio, coisa pouco comum no meio,contra a regra do alinhamento opinativo, ideológico ou cultural. Aqui encontrei também uma nota relativa a um livro que li de John Allen Paulos, Inumeracy, mas de que perdi memória do seu conteúdo e até o rasto. Em contrapartida, tenho aqui comigo dois outros igualmente dignos de atenta leitura, um deles também do mesmo autor «Beyond Numeracy, com a vantagem de se poder ler salteadamente, uma vez que agrupa pequenos ensaios sobre temas diversos da Matemática, de curta ou média extensão, sempre abordados de forma inovadora e perspicaz. O segundo é mesmo um dicionário da Penguin, sobre Números Curiosos e Interessantes de David Wells, com extravagâncias aritméticas surpreendentes, mas também com questões clássicas do cálculo matemático de grande interesse.
Quanto aos valores dos antepassados, na minha opinião, eles não serão melhores ou piores por serem de outro tempo, embora haja alguns que o tempo consagrou e outros que vão sendo criticados e avaliados segundo outros prismas outros ângulos, que alteram o seu sentido ou o adaptam aos tempos actuais. O que me parece, sobretudo, é que os valores, antigos ou modernos, não subsistem por si, se não encontrarem em quem encarnar, para se tornarem eficazes, operantes. Cada época tem os seus valores dominantes, pelos quais a Humanidade se polariza na sua acção. Também entre eles haverá hierarquia e nem todos se poderão equiparar, nem em si mesmos, nem na sua contribuição para a vida das comunidades. Mas o principal, quanto a mim, é que quem os proclame os torne evidentes no seu comportamento ou tudo não passará de prosápia inconsequente.
Um abraço do teu colega e confrade nestas lides, aqui presente desde Junho de 2004 e agora também no Facebook, sempre com a mesma identificação histórico-patriótica de funda memória afectiva, ainda que correndo o risco da sua interpretação.

jj.amarante disse...

Caro António Viriato

Agradeço as palavras gentis sobre o "Imagens com Texto". Fiz uma visita breve à "Alma Lusíada", que apreciei pelo estilo ponderado, embora a tenha achado um tanto deprimida. Se calhar a situação não é para menos...