2011-10-31

Zuccotti Park, New York

Com as recentes propostas do governo de Portugal para o orçamento de 2012 reforça-se a minha incompreensão sobre como os candidatos a governantes mentem (ou enganam-se) com tanta facilidade sobre o que se propõem fazer quando chegarem ao governo.

O actual primeiro-ministro, além de ter mentido ao dizer na campanha que não mexeria nos subsídios de Natal nem de férias, discrimina negativamente os funcionários públicos, em vez de cortar nas gorduras do Estado que tão frequentemente referia ser fácil enquanto estava na oposição.

Por outro lado, ao propor o aumento das horas de trabalho, quer levar o país na direcção do beco sem saída que já referi aqui e aqui.

Nos Estados Unidos da América os políticos tradicionais também têm tido dificuldade em encontrar soluções para sair da crise. Essa incapacidade deu origem a movimentos como “Occupy Wall Street”, 99%, etc, dando origem a um acampamento no parque Zuccotti em Nova Iorque.

Passei por lá e impressionou-me algum aparato policial


embora reconheça a minha impreparação para fazer uma avaliação desse “aparato” e tenha registado momentos cordiais entre os manifestantes e os polícias



Havia ironia neste cartaz,


mesmo aqui já se faziam pequenos negócios,


e distribuíam panfletos dizendo “Capitalism isn’t working”.

Estive a ouvir um manifestante durante uns 5 minutos mas infelizmente não passou da constatação que na América existem os super-ricos e uma caterva de muito pobres e que os partidos tradicionais há muito tempo que não avançam para evitar que exista essa caterva de pobres. Os movimentos de indignados que têm aparecido em muitos países dão conta dum mal estar crescente e ignorar este sintoma seria um erro grave.

2011-10-27

Texturas de Nova Iorque, 7WTC

Fiz uma pausa neste blogue mais dilatada porque fui a Nova Iorque. Estava a pensar escrever uns textos maiores sobre a visita mas deixei isso para mais tarde, mostrando agora umas texturas de que gostei num prédio do World Trade Center.

A primeira que me surpreendeu foi esta, pelos reflexos com alguma complexidade desta parede metálica

From jj.amarante pictures_03

no detalhe seguinte verifiquei que os padrões de riscas verticais alternadamente escuras e claras são obtidos com réguas com faces umas vezes paralelas ao plano da fachada, outras vezes fazendo um pequeno ângulo, pormenores que são visíveis no topos das réguas da imagem seguinte



onde o material usado nas pequenas réguas é um aço inox exactamente da mesma cor, diferindo as cores na imagem apenas porque a orientação das réguas é diferente.

Depois tirei uma fotografia a uma parte da fachada, que começa com estas réguas de aço inox ao pé do chão passando a vidro logo a seguir



Na imagem seguinte apresento uma vista mais geral de uma esquina do edifício, com umas pequenas réguas decorativas colocadas a 90º da fachada



e finalizo com a placa do edifício 7 WTC. A cor esverdeada é o reflexo dum colete fosforescente dum polícia que estava ao pé.

2011-10-13

Pinheiro do Paraná

Foi com alguma surpresa que descobri este Pinheiro do Paraná, de uma espécie já referida noutro post deste blogue, numa propriedade murada em Penalva do Castelo, relativamente ao pé da Casa da Ínsua, talvez faça parte da mesma propriedade.



Para um ignorante de botânica como eu, é gratificante identificar que uma árvore relativamente estranha é um testemunho de uma interacção entre Portugal e o Brasil. A arquitectura das casas não será a ideal mas parece-me bem característica do último quartel do século XX em Portugal, parecendo a última uma casa estilo "maison", como diziam alguns emigrantes.

Pelo que me disseram no Brasil e se confirma na entrada da Wikipédia acima referida, a reprodução destas árvores tem as suas dificuldades, deve ser por isso que esta não está rodeada por nenhum elemento da mesma espécie. Mostro a seguir uma vista em maior detalhe.


2011-10-09

A Verdade esquiva

Recentemente fiz um post sobre uma imagem de raparigas transportando água no Rajastan, recontando a propósito uma história da Guiné-Bissau.

Nesse post está agora este comentário de um amigo espanhol:
«...
Y en relación con la anécdota de Bissau ésta me recuerda a otra que me contaron en Burkina Fasso y que, más o menos, es así: un grupo feminista de alemanas quiso financiar algún proyecto solidario con mujeres necesitadas. Se decidieron por llevar agua corriente a una aldea africana en la que las mujeres dedicaban varias horas al día en ir a buscar agua a un río lejano. Así construyeron una fuente en la aldea y la correspondiente canalización. Todo parecía ir bien hasta que, al poco, fuente y canalizaciones fueron destruidas ¡por las propias mujeres de la aldea a cuyo bienestar se quería contribuir!.
La explicación posterior pasa porque las mujeres de la aldea comprobaron cómo con la fuente perdían la posibilidad de ausentarse de la aldea durante unas horas al día, lo que antes aprovechaban para escapar de la tutela y miradas de sus padres y maridos.
…»

Manifestei entretanto dúvidas sobre a “autenticidade”, no sentido de ausência de encenação, dessa foto das raparigas.

Ainda a propósito da verdade retive esta frase
«...Só que a verdade é como um lago aparentemente quieto mas onde os reflexos se distorcem à mais ténue e imprevista brisa....»

que ilustro com esta foto da Ponte Vasco da Gama à luz do sol poente, em Fevereiro de 2009,



quando os seus reflexos se distorciam sob uma muito ténue brisa.

2011-10-05

Zínias, Calçadas e a elegância matemática

Numa rua em Espanha gostei deste tecido estampado com motivos florais



donde destaco a flor da esquerda que será uma Dália ou talvez uma Zínia e a da direita que deve representar um Crisântemo:



Foi por acaso que descobri o nome da Zínia, de que existem muitas variedades. A Zinnia elegans, por vezes com a forma de “pompon”, é parecida às Dálias. Ao longe, as Zínias poderão também fazer lembrar alguns Crisântemos, a flor do Japão.

Na Casa da Ínsua tinha várias zínias muito bonitas que passo a  apresentar

   


  



A regularidade da colocação das pétalas lembrou-me este gráfico


que eu construíra numa folha MS Excel, para reproduzir um padrão duma calçada que eu tinha visto, e que apresentei num post anterior.

Interroguei-me então se não seria possível “deformar o espaço do gráfico” de forma a obter o mesmo padrão mas disposto em sucessivos anéis circulares concêntricos.

A solução que encontrei tem uma enorme simplicidade e consiste no seguinte:

Seja (x1,y1) um dos pontos da série de dados que define as linhas do gráfico
Sejam xmin e xmax os valores mínimo e máximo das coordenadas x da figura, correspondentes respectivamente aos pontos mais à esquerda e mais à direita.

Se fizermos φ = (x- xmin) . 2π / (xmax-xmin), qualquer valor x pertencente ao intervalo (xmin, xmax) será convertido num ângulo φ pertencendo ao intervalo (0, 2π). No caso de xmin= 0 a fórmula será simplificada para φ = x . 2π / xmax.

Se considerarmos que R=y, convertemos este rectângulo num anel circular.

Para calcular as coordenadas cartesianas (X1, Y1) do ponto de coordenadas polares R1, φ1 bastará calcular X1= Rcos(φ1) e Y1= Rsen(φ1)

Na folha Excel teremos:


   
Obtendo a nova figura mostrada à direita:

Notar que cada fiada de semicírculos no rectângulo acima tem 10 semicírculos e que a transformação que acabo de descrever não mantém invariante a forma do semicírculo, aliás como seria de esperar.

A primeira fiada de semicírculos (aquela em que a coordenada menor de y é igual a 0) tem todos os pontos em que y=0 concentrados na origem das coordenadas polares, formando a “flor central”.

Embora existam 10 fiadas de 10 semicírculos no rectângulo acima, optei por só representar 6 fiadas na figura ao lado.

Depois deste gráfico fiz outro em que desenhei as linhas a cor-de-rosa e colori as pétalas numa aplicação simples de processamento de imagens, concluindo assim a transformação duma calçada numa flor usando uma transformação duma grande simplicidade que me pareceu bastante elegante.

2011-10-03

Fotografia encenada

Quando me apercebi que a fotografia de Thomas Struth que apresentei no último post era encenada fiz uma procura mental doutras imagens que poderiam estar nesta categoria.

Com bastantes dúvidas suspeitei desta outra fotografia, usada neste post anunciando uma mudança.


É uma foto de Frances Benjamin Johnston, Stairway of the Treasurer's Residence, Students at Work, The Hampton Institute, Hampton, Virginia. 1899-1900”

Na altura apreciei a forma muito ordeira como toda aquela actividade construtiva se desenrolava, em que toda a gente parecia muito concentrada no seu trabalho.

No site do MoMA, além de ter aprendido que Frances Johnston é frequentemente referida como a primeira mulher fotojornalista, diz entre outras coisas sobre esta imagem que:
«
Esta imagem exemplifica o sentido clássico da composição de Johnston e a sua prática de colocação cuidadosa dos sujeitos da fotografia. O controlo completo que ela tem da cena é depressa evidente, no entanto, a graciosidade das poses dos homens – banhados por igual em luz natural – parece justificar o artifício.
»
(Original em inglês: This picture exemplifies Johnston's classical sense of composition and her practice of carefully arranging her subjects. Her complete control over the scene is readily apparent, yet the grace of the men's poses—evenly bathed in natural light—seems to justify her artifice.)

2011-10-02

Raparigas do Rajastan

Gostei muito desta fotografia “Desert of Rajasthan (India). Shivji Joshi's photo to National Geographic”, que vi pela primeira vez no Expresso do Oriente, um blogue muito discreto que sabe seleccionar fotografias.



Tentando perceber porque gostei tanto da foto conjecturei que teria sido pelo ambiente minimalista do deserto, em que o motivo principal da foto não se perde no meio de pormenores desnecessários. Gosto muito dos tons quentes dos saris que contrastam bem com a cor da areia, gosto da textura da areia, com as ondulações que me fazem lembrar a praia, gosto da disposição das raparigas, num plano quase perpendicular ao da foto, ilustrando de forma quase académica o efeito da perspectiva. Gosto ainda da nitidez das sombras e da transparência do ar. Não admira que goste da foto.

Ir buscar água à fonte ou ao poço (improvável que seja ao rio) parece ser aqui trabalho do sexo feminino, esta convenção corresponde à que existia em Portugal e na Guiné-Bissau, ao contrário doutras actividades, como lavar roupa, em que a convenção é inversa.

Quando estive em Bissau, de Out/1973 a Out/1974 no serviço militar obrigatório, contaram-me que num quartel lá mais para o interior ia todos os dias uma equipa buscar água a um rio que distava uns 5 ou 6 km do quartel e também duma aldeia que ficava no caminho do quartel para o rio. A equipa levava um “carro da água”, atrelado a um jipe ou um Unimog, com capacidade suficiente para o quartel.

Um dos militares, ao se aperceber que as mulheres da aldeia faziam todos os dias o mesmo percurso a pé, com vasilhas de água à cabeça, ofereceu-se para fornecer um depósito de água que julgo que teria capacidade para um ou dois metros cúbicos e que seria instalado sobre uns tijolos de forma a ficar a alguma distância do chão, para que as torneiras a instalar no fundo do depósito ficassem a uma altura que permitisse encher as vasilhas.

As pessoas da aldeia acharam boa ideia e os militares forneceram o material (tijolos, cimento e depósito com torneiras) mas constataram depois que a obra não ia para a frente. Quem me contou a história dizia que o motivo do insucesso se teria devido à divisão de tarefas entre homens e mulheres: enquanto transportar água era um tarefa de mulheres, colocar tijolos e cimento para neste caso fazer uma base para o depósito de água seria tarefa reservada a homens.

Com o passar do tempo fui-me apercebendo que estas narrativas simples são muitas vezes simplificações ou distorções da realidade mas, quanto mais não seja, servem de conto moral, neste caso ilustrando o erro da discriminação por sexo na atribuição de tarefas.

Regressando à fotografia noto agora que as raparigas levam à cabeça vasilhas de barro, o que me faz suspeitar da “veracidade“ da foto. De facto, mesmo a países muito pobres como a Índia, já chegaram os recipientes de plástico, que são muito mais leves do que os feitos em barro. Contudo, como estes são considerados “mais autênticos” do que as modernices plásticas, além de virem normalmente em corres berrantes que tirariam o protagonismo às cores dos saris, é possível que tenham pedido às raparigas para usarem estes vasos de barro em vez dos modernos plásticos.

Eu sabia que as pessoas fazem poses para as fotografias, que não são forçosamente instantâneos duma realidade não perturbada pelo observador, mas passei o que agora me parece um número excessivo de anos sem me aperceber que há muitas encenações.

A certa altura tinha reparado que a realidade das revistas de decoração era diferente da minha pois as lombadas dos meus livros têm muitas cores, enquanto que os das estantes das salas só tinham duas ou três cores que combinavam muito com o ambiente.

Mas foi com esta foto do Thomas Struth (http://i1.exhibit-e.com/mariangoodman/f90626e4.jpg), tirada no museu Pergamon em Berlim, que deve estar no site da Marian Goodman Gallery, comentada num pequeno curso sobre História da Arte do El Corte Inglés, que passei a ficar mais desconfiado sobre as fotografias de cenas aparentemente naturais.