2011-01-04

Disse-me um adivinho

Acabei de ler o livro “Disse-me um adivinho”, de Tiziano Terzani, que foi referido aqui. O autor, um jornalista italiano que viveu muitos anos na Ásia aproveitou uma advertência, que um adivinho de Hong-Kong lhe fizera em 1976 para não andar de avião em 1993, para neste ano se abster totalmente de usar o avião, aproveitando a oportunidade para conhecer de outra forma as terras por onde passava.

A situação recordou-me umas crónicas publicadas no jornal Expresso pelo Gonçalo Cadilhe , em que deu a volta ao mundo sem recorrer a aviões, com uma pequena excepção julgo que na América do Sul, para evitar perder um barco, recurso cada vez mais raro para o transporte de passageiros e cuja perda introduziria um atraso inaceitável no plano da viagem.

Interessei-me pelo tema porque continuo a surpreender-me com a viabilidade da profissão de adivinho na quase totalidade dos países, incluindo aqueles onde existe um ensino universal, obrigatório e efectivamente frequentado pela totalidade da população jovem.

Acho sempre intrigante esta convivência num dado momento numa dada sociedade de conjuntos de práticas e de crenças de épocas muito diferentes, estaria à espera de um pouco mais de homogeneidade, já não digo dos valores, mas pelo menos da credibilidade de métodos de previsão do futuro.

O livro lê-se muito bem, a escrita é fluida, o uso dos transportes terrestres e marítimos foi bem aproveitado, possibilitando observações das zonas dos países afastadas das grandes cidades.

O autor faz um número apreciável de visitas a adivinhos, adoptando uma posição ambígua que me parece a mais adequada à escrita do livro, pois não faria sentido visitar tanto adivinho partindo duma posição de negação absoluta da capacidade destes profissionais preverem o futuro, mas mantendo um cepticismo moderado que lhe permite, em caso de necessidade, defender-se de eventuais acusações de credulidade.

Retive o conceito de “granjear méritos” na Tailândia que me pareceu muito interessante. As desgraças previstas pelo adivinho podem ser evitadas ou atenuadas caso se façam boas acções.

Achei um tom excessivamente nostálgico sobre a perda de costumes antigos com o advento da sociedade de consumo. Fez-me lembrar a conversa do meu tio latifundiário de que os camponeses de Monchique (no Algarve a gente do litoral estava mais exposta aos turistas estrangeiros pelo que teriam perdido aquela “autenticidade” tão cara aos conservadores) eram pobres mas muito felizes, enquanto os operários suecos eram ricos mas suicidavam-se muito. Fez-me lembrar também o livro “A Riqueza e a Pobreza das Nações” do David S.Landes, quando refere que em muitos sítios na Índia as mulheres e crianças gastam 4 horas por dia a acumular gravetos para poderem cozinhar, tarefa que nos países desenvolvidos pouco mais custa do que dar ao botão do fogão a gás, uma vez que o custo do gás para cozinhar é realmente muito pequeno.

Todos esses costumes ancestrais poderão ser muito pitorescos mas não vejo motivo para lamentar que sejam abandonados, existem na maioria dos casos bons motivos para o fazer, como fizeram um milhão de Portugueses nos anos 60 do século XX, que emigraram para a França e a Alemanha fartos da vida rural miserável que cá levavam.

Ainda no mesmo tema achei que o autor se deveria ter indignado mais com a situação das “mulheres-girafa”, uma tribo na Birmânia onde colocam anéis sucessivos à volta do pescoço das meninas, que as faz ficar com um pescoço deformado e incapaz de se manter por si sem o auxílio dos torturantes anéis.

Em cima mostrei uma casa com um pequeno altar na Tailândia e para terminar deixo uma imagem do mesmo altar mostrado em cima, altares muito comuns pelo menos na cidade de Bangkok, onde passei um fim-de-semana há muito tempo, num stop-over vindo de Macau.

Os altares ou pequenos templos estavam ao pé das casas mas fora delas, envoltos em faixas coloridas e cheios de pequenas estátuas e outros adornos, revelando grande complexidade do conjunto de regras necessário para afastar os maus espíritos e eventualmente convocar os bons.

Ambas as imagens são digitalizações de slides antigos, tentei controlar a cor partindo do princípio que o pequeno templo era branco, fico sempre com muitas dúvidas sobre o tom mais apropriado nestes slides antigos.

1 comentário:

io disse...

Percebo que terá ficado até decepcionado com este Terzani e espero que o meu panegírico não o tenha induzido e dado dimensão a essa decepção.

Eu confesso-lhe que foi para mim um dos melhores,senão mesmo o melhor, de 2010.

Um abraço e votos de um excepcional 2011, sem decepções.