2010-10-18

A soberania que “perdemos” com o Euro

Fiquei algo surpreendido com a crónica do Nicolau Santos no jornal Expresso de 16/Out/2010 em que sugeria que se iniciasse o debate sobre a nossa eventual saída do euro.

O meu pai dizia-me que o escudo era uma moeda muito forte mas na minha primeira deslocação ao estrangeiro em 1970, quando me dirigi a um balcão dum banco em Paris para trocar algumas notas de escudos em francos franceses disseram-me secamente: changeons pas, trop mauvais! No Verão de 1970 ocorreu um incidente de curta duração com o escudo que talvez justifique este episódio, talvez tenha tido azar com o francês que me atendeu ao balcão pois mais tarde aprendi que a variação entre um francês afável e um hostil é bastante maior do que noutras sociedades. Acho que passado um ou dois dias consegui trocar dinheiro noutro banco em Paris mas fiquei traumatizado para o resto da vida com esta falta de aceitação do escudo.

Em viagens posteriores, sobretudo a Inglaterra, costumava ver o valor percentual da diferença entre a compra e a venda das várias moedas nas casas de câmbio e lembro-me que enquanto no dólar americano ou no marco alemão essa diferença era inferior a 5% do valor da moeda, no caso do escudo essa diferença andaria à volta dos 10%, traduzindo o maior risco que os cambistas lhe atribuíam.

Ainda me lembro também do regime do “crawling peg” em que o governo português através de uma desvalorização constante tirava alegremente do nosso bolso o dinheiro que lhe fazia falta.

Tenho muito más memórias desse tempo em que havia ajustes anuais devidos à inflação. Quando esta estava a subir os salários eram ajustados à inflação que se tinha verificado no ano anterior, quando se esperava que descesse os salários eram ajustados à inflação esperada para o ano seguinte, criando-se mais um mecanismo de enganar o pessoal pois as estimativas raramente acertavam, não passando de figuras de retórica.

Foi assim com grande satisfação que vi a nossa entrada no euro (cuja imagem fui buscar aqui). Uma saída agora seria o início do fim do projecto europeu e não acredito nem nos amanhãs que cantam nem na eficiência de um ainda maior sofrimento agora para passarmos esta crise a grande velocidade.

Se saíssemos do euro e com a facilidade actual dos fluxos financeiros presumo que boa parte dos capitais nacionais se refugiaria no euro, moeda que continuaria a ser usada pela maioria dos nossos parceiros comerciais. A principal diferença seria que os salários poderiam ser desvalorizados discreta e constantemente, de forma a que todos os trabalhadores pudessem ser cada vez mais competitivos, ganhando cada vez menos.

Não muito obrigado, fiquei cansado de quando os governantes de Portugal tinham essa soberania de poderem tirar-me dinheiro com grande à vontade e discrição, eu nunca senti essa soberania como minha. Não sinto que “nós” os cidadãos comuns tenhamos perdido essa soberania, foram “eles” os governantes que a perderam. E pelo andar das contas públicas parece-me que não a mereciam nem a merecem.

1 comentário:

JPB disse...

Se eu precisasse de ser convencido, tê-lo-ia sido agora, por si.