2010-08-31

Pena de morte

Há já alguns anos que abandonei uma regra que seguia de evitar visitar países onde existisse a pena de morte. Embora o risco de erro judicial fosse muito pequeno, a perda (da minha vida) associada tinha para mim uma enorme importância, pelo que o produto dos dois factores poderia ser desagradavelmente elevado.

Abandonei essa regra pela primeira vez numa viagem a Macau em que fiz uma visita breve à República Popular da China num fim-de-semana e à Tailândia no regresso, esta com alguma apreensão depois de ver uma série de TV em que colocavam droga numa mala sem o turista dar por isso. Foi a primeira vez que reabri a mala no aeroporto, para verificar a ausência de qualquer corpo estranho suspeito, antes de responder à pergunta no check-in se tinha sido eu a fazer a mala. Depois fui à Índia, a S.Petersburgo em 1994, quando ainda talvez houvesse pena de morte na Rússia, depois aos Estados Unidos da América, cuja prioridade de visita era baixa precisamente pela existência de pena de morte, e recentemente ao Egipto e finalmente ao Irão. Excluindo os países do Magrebe, onde a pena de morte não é aplicada há mais de 10 anos, constato que no total visitei 6 países onde existe a pena de morte.

No mapa que apresento a seguir, que não dá conta do número de execuções por ano, os países islâmicos ficam mal na fotografia.





A lista de países com mais de 10 execuções no ano de 2009 é:





Nem na Índia nem no Paquistão ocorreram execuções em 2009 embora tenham sido proferidas sentenças de morte.

Os dados sobre números de execuções são da wikipédia e os da população do Geohive. Os valores relativos à população são de anos próximos de 2009 e devem ser considerados como aproximados.

Nos EUA a pena de morte foi suspensa de 1972 a 1976 pelo Supremo Tribunal Federal. Desde 1976 ocorreram 1224 execuções, 463 (38%) das quais no estado do Texas.

Excluindo a China, sobre a qual é muito difícil obter dados relativos a este tema (no artigo da wikipedia refere que em vez de 1700 execuções poderão ter sido 10000), o Irão ocupa assim uma posição muito destacada em relação a todos os outros países, quer a nível absoluto quer considerando o número de execuções per capita.

Não tinha ideia que a posição do Irão fosse tão destacada, o que é mais acentuado ao calcular o número de execuções por milhão de habitantes. Aí se constata que a posição dos E.U.A. é quantitativamente modesta.

Ao observar esta imagem de uma rua na parte central de Teerão, não me passou despercebida a presença de grades nas janelas do rés-do-chão.


Na altura confirmei com o guia que no Irão, além da pena de morte, também usam penas de mutilação, quer dizer que, por exemplo, cortam mãos a ladrões. Informou o guia que era necessário que existissem 25 ou 26 condições prévias para o corte de uma mão, designadamente que se tratasse de uma reincidência e que o alegado ladrão não tivesse ninguém doente a seu cargo, mas são pormenores de somenos importância face à crueldade e estupidez do acto.

Ainda pensei em fazer um post referindo que a presença destas grades era uma demonstração de que o método de corte das mãos dos ladrões (elogiado noutras ocasiões como muito eficaz por algumas pessoas com quem tive a infelicidade de me cruzar) não conseguia que se pudesse prescindir de grades nos primeiros pisos dos edifícios, mas achei que não valia a pena.

Agora estou a visitar estes temas dada a ameaça de morte por lapidação da iraniana Sakineh Ashtiani a que me referi em post anterior. Além da crueldade do método continuo sem perceber o que se passa na cabeça dos apedrejadores. Perturba-me também a desresponsabilização dos executantes ao usar pedras que por si só são insuficientes para matar uma pessoa. Cada um deles alegará que não foi ele que matou a pessoa condenada embora ela tenha morrido. Nos E.U.A. existe um estado em que a pena de morte é executada por fuzilamento, com vários executores a disparar em simultâneo contra o condenado, mas em que uma das espingardas foi carregada com explosivo mas sem bala, para maior tranquilidade da consciência dos executores.

É um raciocínio míope sobre relações de causa e efeito. Em Hong-Kong estabeleceram há anos que é crime atirar garrafas ou qualquer outro objecto pesado pela janela, independentemente de este ter ou não atingido alguém.

Mas o facto de existir certamente suporte por parte da população para este tipo de actividades cruéis no Irão não desresponsabiliza os seus principais responsáveis, designadamente o seu líder supremo, aiatola Khamenei bem como os poderes executivo, judicial e legislativo. Trata-se de terrorismo de Estado, em que leis iníquas são apoiadas por penas particularmente cruéis, cuja mera existência favorece o exercício arbitrário do poder.

Mas ao contrário do João Pereira Coutinho considero que qualquer melhoramento deste estado deplorável da justiça iraniana, para ser sustentável, tem que ser obtido pela forças iranianas internas, com o apoio de campanhas externas contra estas violações grosseiras da carta de direitos humanos das Nações Unidas. Qualquer intervenção militar externa teria à partida o preço de dezenas de milhar de mortes, muito mais do que as 400 execuções anuais de agora, sem qualquer garantia da instauração posterior de um poder minimamente decente. Na realidade os E.U.A. deram a sua contribuição para esta situação em 1953, ao incitarem militares a depor o Dr. Mossaddegh e apoiando o megalómano Reza Palhevi que com a sua política desastrada criou terreno fértil para os aiatolas tomarem o poder.

Também considero que as lapidações têm o objectivo de aterrorizar os iranianos e não os estrangeiros, pelo que me parece mais provável que os protestos exteriores, como a manifestação realizada em 28/Agosto em Lisboa e em tantas outras cidades, contribuam para beneficiar os condenados do que o contrário. Embora esta última hipótese não seja completamente de excluir, como demonstração do poder dos aiatolas.

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