2009-01-31

Regras


As imagens bizantinas têm um certo fascínio mas mostram muitas vezes uma sociedade muito estratificada. Na imagem do post anterior, que volto a mostrar aqui ao lado mais reduzida, a personagem central, que presumo que seja a Nossa Senhora, está colocada num pequeno pedestal, não pode estar no mesmo plano dos restantes. O vestido é o único que tem bordados em franjas pendentes do tecido. As damas do lado direito são cabeças coroadas e os seus vestidos têm bordados. Já as damas do lado esquerdo, mesmo sendo santas pois têm todas uma auréola, já não têm direito a nenhum bordado, deve ser tudo do povo. Não há mistura de cabeças coroadas e não coroadas, o conceito de irmandade cristã está pouco activo.

A imagem parece documentar o hábito de deixar as meninas andar de cabelo solto enquanto se exige às mulheres que cubram a cabeça, como acontece ainda agora em vários países de fé predominantemente islâmica. O Corão recomenda recato no vestir mas a rigidez da obrigação de uso dos véus nalgumas regiões islâmicas resultam mais da rigidez das regras sociais locais do que propriamente de regras islâmicas, embora o Islão, como o Cristianismo, tenha servido frequentemente de suporte às opiniões mais conservadoras relativamente à forma de vestir.



O abrigo com um tecto curvo sobre 4 colunas que está na parte de trás da imagem e que mostro aqui à esquerda fez-me lembrar este outro abrigo, ao pé do Forte Amber em Jaipur, capital do estado do Rajastão da União Indiana, que mostro aqui em baixo.




Enquanto na Grécia os monges se tinham que refugiar em penhascos para evitar os salteadores, no Rajasthan os montes que circundam Jaipur estão cheios de muralhas, como se vê nesta imagem e na seguinte, revelando que também aqui havia falta de segurança. As pessoas que se dedicavam à meditação também aqui constituíam uma minoria.



Se a civilização bizantina era muito hierarquizada, a sociedade indiana levou a estratificação ao limite, tendo passado do conceito de classe ao conceito de casta. Sempre foi difícil passar de uma classe para outra mas no pensamento indiano, só mesmo depois de morto, através de uma reencarnação.





Esta biografia da Maharani Gayatri Devi (esposa do Marajá) fala sobre o regime de “Purdah”, de total isolamento da vista de outros homens que não o marido e parentes mais chegados, durante uma parte da sua vida de casada. O Marajá do Rajastão era hindu e não muçulmano mas o regime de recolhimento das princesas, quando estavam na Índia, parecia semelhante ao do Afeganistão.

A falta de segurança reforça a organização hierárquica de uma sociedade e o poder discricionário dos chefes. Bush foi o que se viu, Indira Gandhi fez esta Maharani passar uns tempos na prisão.

2009-01-27

Arte Bizantina

As auréolas estão muito presentes na arte bizantina que anda quase sempre à volta de temas religiosos. Há uns tempos fiz um post elogiando a cópia, que é uma das forças da vida, mas a arte que perde a capacidade de gerar variações para se encontrarem novos caminhos é uma arte morta ou moribunda.

Julgo que o autor duma obra de arte em Bizâncio não tinha o protagonismo que veio depois a assumir no Ocidente, sendo os ícones copiados com grande à vontade.

Gostei deste ícone que estava no mosteiro do Santo Estêvão (Stefanou em grego) localizado em Meteora, ao pé de Kalambaka, no norte da Grécia. Não sei bem se isto é arte bizantina, se grega, se cristã ortodoxa mas daqui de Lisboa todas elas se confundem um bocado.



Dos 6 mosteiros que estão habitados nesta região este é o único habitado por freiras, o que estará na origem de as personagens da imagem serem todas do sexo feminino. Fui dar uma vista de olhos por uns livros de arte que tenho em casa e constatei que as auréolas foram desaparecendo durante o século XV, os pintores deviam estar um bocado fartos de ter que pôr sempre auréolas. Os quadros começam a incluir personagens que não são santos e as auréolas começam a ficar mais finas e a desaparecer.

Voltando à imagem acima tem lá escrito no canto superior direito o que me parece ser “ΠΑΡΘЄΝωΝ” que mudando as letras dá “PARTENON” palavra conhecida e muito popular mas que não sei o que significa, à parte ser o nome do templo mais famoso de toda a Grécia clássica. Este é um dos meus passatempos na Grécia, tentar decifrar as palavras que me aparecem escritas com aqueles símbolos que se usavam nas expressões da Matemática e da Física.

Atrai-me nestas imagens o seu aspecto ostensivamente forçado, parece que tudo obedece a umas convenções misteriosas que se foram perdendo no tempo, ou cuja descrição será tão aborrecida que é como se se tivessem perdido.

O fundo da imagem faz lembrar os temas da idade média. Gosto das mãos finas e estilizadas e dos drapeados discretos.

No mesmo mosteiro fotografei um ícone em construção. Notar como lá estão outra vez os espaços para as auréolas.





À procura de imagens do Santo Estêvão descobri esta através do Google mas não sei qual o autor nem quando foi feita. Fico siderado com o aspecto irreal da cena, em que os homens que apedrejam o santo mais parecem uma claque americana. Será uma quadro da escola naif?




Para finalizar deixo uma foto do mosteiro da Santíssima Trindade, no cocuruto de um rochedo, como a maioria dos mosteiros de Meteora, com vistas espectaculares sobre a planície e um acesso penoso mas que vale muito a pena.



Quando vejo o trabalho a que estes monges se davam para ter um pouco de segurança, ou quando visito vilas rodeadas de muralhas como o nosso Marvão não consigo deixar de pensar no esforço enorme que as pessoas tinham que despender para garantir a sua segurança. Falta de segurança agora? Claro que falta mas antes faltava muito mais!

2009-01-23

Auréola (s)




Em Setembro de 2004 visitei esta igreja que fiquei aqui a saber ser a igreja paroquial de Bled, na Eslovénia. A igreja está numa encosta e no topo do maciço rochoso encontra-se o forte que domina o lago e que aparece nesta imagem num segundo plano.


A igreja é católica, foi construída no estilo neo-gótico em 1905 no mesmo sítio de uma igreja gótica datada do século XV.



De vez em quando interrogo-me porque não temos mais igrejas góticas em Portugal, em Lisboa compreende-se por causa do terramoto, mas no Porto poderia haver mais.



O interior da igreja está muito bem arranjado, como se pode ver na imagem a seguir, e o tecto pintado fez-me lembrar uma igreja que visitei em Budapeste. Eslovénia e Hungria faziam parte do império Austro-Húngaro e havia certamente partilha de valores culturais.




Existem alguns frescos de que gostei e que foram pintados por Slavko Pengov entre 1932 e 1937.

Nestes tempos em que aparecem imagens do Barack Obama com um halo luminoso à volta da cabeça lembrei-me de destacar estas auréolas douradas, que julgo serem tributárias da pintura bizantina, cuja influência parece permanecer nesta terra.

Apresento assim com maior detalhe a parte da última ceia do fresco do lado esquerdo




em que o Judas, que está a sair da última ceia, é o único que não tem direito à auréola, na sua qualidade de não santo.

Parece-me que o pintor, ao adoptar uma posição mais naturalista dos participantes da ceia, arranjou um problema para os que estão de costas que acabam por ficar com um prato dourado em frente dos olhos, como se vê neste detalhe aqui em baixo.


2009-01-16

Outono frio

Para um habitante de Lisboa uma paisagem com neve é sempre um bocado exótica pelo que não resisti a apresentar esta imagem tirada ao pé do lago Bled, na Eslovénia, quando caía neve e a temperatura era de -6ºC.



Bem sei que -6ºC será relativamente confortável comparada com a vaga de frio que passou na Europa nalguns sítios pelos -20 e tal graus mas, mesmo assim, faz 16 graus de diferença em relação aos 10ºC que encontrei no regresso em Lisboa, onde esta outra imagem do lago Bled seria inverosímil.



Acho que em Lisboa não temos verdadeiramente Inverno, é mais um Outono frio...

2009-01-09

Ilha Deserta





Hoje fui ao dentista e por isso mostro nesta imagem aqui ao lado o que poderia ser uma vista a partir da colina principal de uma ilha deserta, algures nos mares do sul, com o mar turquesa, o céu azul e uma vegetação luxuriante incluindo os inevitáveis coqueiros.


Julgo que ocorre com alguma frequência a fantasia de ir viver para uma ilha deserta, caso contrário seria incompreensível o sucesso do livro Robinson Crusoe de Daniel Defoe (1661-1731), escrito em 1719.







Acedi à obra através desta edição conjunta da Liv.Bertrand e da Editorial Ibis, tratando-se de uma adaptação com umas páginas com ilustrações de vez em quando, para amenizar a leitura mas sem ser banda desenhada. Posteriormente li uns textos referindo a carga ideológica individualista da obra e mais umas considerações sobre as relações de poder coloniais e a relação entre o Robinson e o seu criado Sexta-feira que me pareceram adequadas. Contudo, o apelo do mito da ilha deserta paradisíaca como refúgio de uma sociedade hostil continua a existir, quanto mais não seja na publicidade.








Há décadas que me apercebi que viver numa ilha deserta traz imensos problemas mas gostei muito de obter essa confirmação a partir do livro Castaway de Lucy Irvine que descreve a sua aventura de Mai/1981 a Jun/1982 de viver numa ilha deserta no norte da Austrália, depois de responder a um anúncio dizendo “Writer seeks ‘wife’ for a year in tropical island”.

Num filme recente em que o Tom Hanks passa uns tempos numa ilha deserta, constata-se o desespero da solidão e o problema que representam as infecções com os dentes.

Não canso de me regozijar de ter tido a grande sorte de nascer numa sociedade que já consegue tratar os dentes de forma eficaz e sem dor, contrariando aquele slogan mais que estúpido do “no pain, no gain”. Talvez no futuro consigam fazer voltar a crescer dentes que se estragaram mas a situação actual já é muito satisfatória.

A imagem inicial é um enquadramento de uma foto que tirei numa colina da cidade de Olinda, no nordeste do Brasil e que mostro a seguir:

2009-01-08

Cópia da cópia

Gostei desta imagem que a Helena copiou do Spiegel Online, mas achei que devia ser vista com maior dimensão, como é aliás habitual neste blogue.




Trata-se do parque Tiergarten em Berlim coberto de neve, em 5/Jan/2009, na vaga de frio que está agora a chegar a Lisboa embora sem esta intensidade.

2009-01-07

Ainda os nomes (das plantas)

No post anterior usei várias fotos do CD que acompanha o livro editado pela Fundação Calouste Gulbenkian sobre o jardim da sua sede em Lisboa.

Os ficheiros das fotos têm o nome da planta que é mostrada, nomes esses que são muitas vezes pouco conhecidos. Saber o nome de algo, dá-nos acesso a muita informação sobre o que quer que seja esse algo, bastante desde o tempo das enciclopédias, imensa desde que existem motores de busca eficientes na Internet. Contudo, quando se conhece apenas o “aspecto” de uma coisa e não se lhe conhece o nome, mesmo a Internet pode revelar-se de pouca valia. Em contrapartida, quando se sabe o nome, o Google Images dá-nos a sensação que dissemos: Abracadabra!

Embora o Jardim da Gulbenkian tenha plantas exóticas, tem também muitas nativas, e quer no CD quer numa separata do livro existe um mapa com a(s) localização(s) de cada espécime, permitindo assim saber o nome de muitas das plantas comuns nos jardins de Portugal

Interroguei-me se esta ignorância dos nomes das plantas seria generalizada ou apenas uma particularidade minha e dos meus amigos mas, a constatação de que em muitos casos não existe um nome comum nas línguas vernáculas, existindo apenas a designação em latim, é um indício claro de que a generalidade das pessoas não conhece o nome de muitas das plantas que nos rodeiam. E que isso não é um fenómeno só Português mas comum aos outros países da Europa e aos que foram mais ou menos colonizados pelos países europeus.

Para ver proximidades usei o tradutor do Google (Ferramentas de idiomas)
IdiomaTermo usado
Português, Inglês, etc.Lantana camara
ÁrabeLantana كامارا
Chinês (Simplificado)马缨丹
Chinês (Tradicional)馬纓丹
GregoLantana camara
HebraicoLantana camara
HinduLantana camara
Japonêsランタナカマラ
RussoLANTANA Камарой


E constatei, de forma algo apressada pois pode-se tratar de idiossincrasias do Google, que em Grego, Hebraico e Hindu prescindem do uso dos seus alfabetos neste caso específico da designação das plantas. Os árabes e russos estão numa situação indefinida pois traduziram (ou transcreveram) a palavra mais comum “camara” deixando “Lantana” por traduzir, enquanto os chineses e os japoneses não prescindem dos seus sistemas de escrita nas designações de plantas mais ou menos exóticas.

A universalidade do latim não é assim tão universal.

Vamos agora retomar as imagens dos arbustos do Jardim da Gulbenkian, com esta Plumbago auriculata



seguida de uma Punica granatum



e de uma Pyracantha crenulata, nome duma planta com pequenas bagas cor-de-laranja que fazia de sebe do anexo do Areeiro do Liceu Camões e que fornecia pequenos projécteis para atirarmos uns aos outros nos recreios



temos ainda a Spiraea cantoniensis, e percebo cada vez melhor porque não sabemos os nomes em latim destas plantas



uma Spiraea bumalda



e para finalizar esta Symphoricarpus chenaultii para a qual o Google não tem tradução em chinês:

2009-01-06

Nomes (de plantas)

Quando se apresenta alguém é hábito dizer o nome, esse é normalmente o primeiro passo no processo de conhecimento

Dizer o nome de alguém é já aproximarmo-nos dessa pessoa e, no caso do judaísmo, aparentemente para manter as distâncias, a regra de não invocar o nome de Deus em vão levou a que se pronunciasse muito pouco o nome de Iavé, de tal forma que não existe consenso sobre a forma correcta de pronunciar o nome do Criador (pelo menos Wikipedia dixit).

Já o Arthur C.Clarke escreveu um pequeno conto, “The nine billion names of God”, em que uns monges tibetanos compram um computador para imprimir a totalidade dos nomes possíveis de Deus, pois estão convencidos que escrever todos esses nomes é o propósito para que foi criado o Universo e este acabará quando essa tarefa for completada...

Em relação às plantas sinto sempre que sei poucos nomes delas, nomeadamente das árvores, em parte devido à minha vida citadina e ao suposto reduzido contacto com elas. Na realidade existem muitas árvores nas cidades, quer nas avenidas quer nos jardins e parques, pelo que acho que as escolas deveriam dar um pouco mais de atenção a este tema dos nomes das árvores.

Numa brochura simpática da CML intitulada “Guia Ilustrado de vinte e cinco árvores de Lisboa”, publicada em Maio de 2005, leio na primeira página que existem na cidade mais de 600.000 árvores pertencentes a 200 espécies diferentes. Embora a maior parte delas devam estar no parque de Monsanto, não fazendo parte dos passeios pedestres normais pela urbe, mesmo assim é muita árvore, para quem pensa que não tem árvores ao pé por viver na cidade.

Na feira do livro da Gulbenkian, que ocorre no período anterior ao Natal comprei um livro editado pela Fundação sobre o Jardim Calouste Gulbenkian, projectado pelos Engenheiros Agrónomos e Arquitectos Paisagistas Gonçalo Ribeiro Telles e António Facco Viana Barreto. Junto com o livro vinha um CD, cuja coordenação geral foi feita por Aurora Carapinha.

Passo a apresentar algumas das imagens de plantas que vinham nesse CD, com uma pequena explicação da razão de as ter escolhido.

Nesta Camellia japonica, que foi das primeiras imagens que vi deste CD, gostei do que revela sobre o olhar do fotógrafo. Para ele o arbusto pode ser descrito por esta pequena parte, lembrando-me da grande importância que tinha na classificação das plantas a forma das suas folhas. Neste espécime as folhas apresentam um envernizado típico e as nervuras são muito visíveis. Parece-me que a planta respira saúde








Seleccionei esta Datura arborea aqui ao lado apenas para dar a conhecer o nome fino desta planta com flores em forma de campainhas. Sabendo o nome, pode-se ir buscar com facilidade mais informação à Wikipedia.



Costumo gostar de coisas recortadas contra o céu e esta imagem duma Freylinia Lanceolata não foi excepção. Gosto do azul do céu e do reflexo da luz do sol em algumas folhas enquanto outras continuam mais escuras













Esta Hebe speciosa foi escolhida pela sua beleza





E esta Lantana camara porque além de bonita é muito comum nos jardins de Lisboa.





Termino com estas flores lindas da Nerium oleander