2009-06-30

Pequenas anomalias

Surgem-nos por vezes pequenas anomalias reveladoras ou que nos dão indícios de coisas passadas. Quando estive recentemente na Tunísia reparei num número de telefone que aparecia no meio dum texto escrito com os símbolos árabes, sendo o único conjunto de caracteres reconhecíveis para um iletrado em árabe como eu..

Sabendo que os árabes escrevem da direita para a esquerda, em vez da esquerda para a direita como na norma ocidental, interroguei-me se escreveriam ao números como nós, isto é com o algarismo de maior peso relativo mais à esquerda e o de menor peso mais à direita. Por exemplo nós escrevemos o número com cinco dezenas e nove unidades começando por escrever o 5, algarismo das dezenas, escrevendo a seguir à sua direita o 9, algarismo das unidades.

Pensando no assunto concluí rapidamente que, sendo a representação dos números na base decimal uma conquista extraordinária, existe contudo uma arbitrariedade inicial na fixação da posição relativa dos algarismos relativos a cada ordem de grandeza.

Estamos habituados a colocar o algarismo correspondente à maior ordem de grandeza no extremo esquerdo do número e o algarismo das unidades o mais à direita possível (para números inteiros) mas podíamos ter feito a opção contrária, sem problema de maior. Todos os algoritmos que se aprendiam nas escolas funcionariam bem, bastaria colocarmos os algarismos na posição indicada por um espelho que se colocasse ao lado da conta que tivéssemos feito, como na imagem acima. Com as máquinas calculadoras também seria bastante simples usar qualquer uma das representações.

Na primeira oportunidade perguntei logo a um tunisino como faziam e ele informou-me que embora escrevessem os textos da direita para a esquerda, escreviam os números como nós, isto é da esquerda para a direita, o que os obrigava a pequenas excursões na sequência de escrita, pois tinham que deixar um pouco de espaço para escrever o número e retomar depois a escrita. Mas disseram-me que isso não representava grande incómodo e que quase não davam reparavam nesse pormenor.



A imagem em cima documenta que os árabes representam os números com a mesma sequência que nós, embora não mostre se escrevem os números da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, aí o leitor terá que acreditar na informação que lhe dou ou procurar confirmá-la noutro sítio.

Esta pequena anomalia parece-me um indício de que não foram os árabes a inventar a notação posicional dos números (sabe-se que foram os indianos) pois, caso o tivessem feito, seria mais natural que as unidades aparecessem no extremo esquerdo de cada número, uma vez que parece mais natural que se escreva primeiro o algarismo correspondente à maior ordem de grandeza, visto que quer nós quer os árabes o fazemos.

Parece que neste caso tivemos sorte e os árabes azar, pois os indianos optaram acidentalmente por uma representação mais adequada à norma ocidental de escrita da esquerda para a direita e menos adequada à norma árabe.

Os números de telefone são um caso curioso porque aparentando ser números são na realidade sequências ordenadas de algarismos em que nenhum deles representa nenhuma ordem de grandeza. Por isso não dizemos que o número telefónico 2 356 432 é o dois milhões, etc. dizendo simplesmente que é o dois, três, cinco, etc. Neste sentido poderia ser mais lógico que os leitores/escritores de árabe escrevessem os números telefónicos da direita para a esquerda mas criaria provavelmente mais desconforto do que respeitarem a ordem usada para os números propriamente ditos (que não são números de telefone).

2009-06-29

Tunísia




Tenho simpatia pela Tunísia, um país que foi abençoado com a ausência de recursos naturais abundantes e que teve assim uma ajuda para se concentrar no seu recurso mais importante que é a população. Isto não lhes diminui o mérito, pois outros países existem com condições semelhantes que não foram capazes de aproveitar esta situação.

Na foto ao lado está uma ponta do icebergue do sucesso: no mesmo ano da independência em 1956 foi aprovada uma lei reconhecendo muitos mais direitos às mulheres do que era habitual na região. Isso faz com que hoje seja possível ver mulheres polícias em Tunis, como documentado na figura ao lado.




O país tem progredido com prudência, tentando evitar que existam sectores que representem mais de 12% do total da economia tunisina. Têm desenvolvido muito o turismo como uma boa fonte de divisas e recentemente especializaram-se em operações plásticas para cidadãos de outros países.

Esta montra de uma loja da Benetton mostra uma certa ocidentalização do gosto. Não consegui evitar os reflexos nesta foto mas depois achei que os reflexos das árvores podadas selvaticamente ao gosto francês, até nem ficavam mal.



Existe um défice democrático que tem vindo a ser lentamente reduzido. O actual presidente Ben Ali costuma ser reeleito cada 5 anos, fazendo-me lembrar uma situação com vagas parecenças na Finlândia, em que tiveram o mesmo presidente de 1956 a 1982. Diziam então os finlandeses que cada x anos elegiam um novo presidente que se chamava Urho Kekkonen.

Mas nos corpos legislativos existem cerca de 20% de mulheres, uma percentagem apenas ligeiramente abaixo da percentagem em Portugal. Um tunisino comentou que estavam a pensar em introduzir quotas para as mulheres e numa piada pouco politicamente correcta acrescentou que também pensavam introduzir quotas para a oposição...

Na imagem ao lado apresento vestidos tradicionais que vi numa loja mais antiga da medina de Tunis.

2009-06-26

Brideshead Revisited

Pensava em revisitar o Castle Howard, o palácio inglês ao pé da cidade de York, num post mais próximo deste “Condomínio fortificado” ou deste “Palácios” mas divaguei bastante antes de chegar lá.




Como disse no post anterior, tive a oportunidade de visitar este palácio em Jun/1983, pouco tempo depois de a série “Reviver o Passado em Brideshead” ter passado na RTP. Como a imagem do palácio do post anterior não me satisfez localizei esta imagem, de muito melhor qualidade aqui, onde fui buscar também as imagens seguintes.

Costumo ver séries e filmes com muito pouca distanciação pelo que estava emocionalmente à espera de encontrar o Charles Ryder, a Julia Flyte, ou qualquer um dos personagens que não tinham morrido durante a passagem da série na TV, na minha visita ao palácio, que já não me lembro como descobri. Nessa altura não havia o Google nem mesmo a Internet, descobrir informações era muito mais complicado.

O palácio era ainda habitado pelo seu proprietário numa das alas, que por coincidência veio à porta receber uma visita que chegara num automóvel, como tantas vezes acontecia na série.




Tudo o resto do palácio estava a ser utilizado pela ITV para servir de cenário em séries mais ou menos históricas. Dadas as necessidades de guarda-roupa, o espírito prático dos ingleses tinha-os levado a criar também um “Museu do Traje”, aproveitando para mostrar as peças de roupa que usavam nos vários filmes da estação.



Não me convenceu a argumentação do escritor Evelyn Waugh de que estes palácios eram feitos sem pensar nas funções que os seus vários componentes viriam a ter. Poderão existir excepções mas construções tão dispendiosas tinham muito provavelmente objectivos bem definidos, não sendo construídas ao acaso. Segundo li este palácio está classificado entre os 7 mais notáveis de Inglaterra e não se diz que tenha sido fruto de um devaneio. Na realidade o seu dono, quando a sua dimensão se mostrou desadequada às funções tradicionais, fez um downsizing da área que ocupava e alugou a restante.

A família retratada na novela, embora interessante na forma como se expressava e como exemplo de tomada de decisões que os afundam numa ociosidade infeliz, corresponde bastante bem a uma visão que alguns católicos têm do mundo como um vale de lágrimas e como um mero local de passagem (antes da chegada à vida eterna) que portanto não merece grandes melhoramentos.

Para finalizar deixo esta vista aérea do conjunto tirada daqui, provavelmente inacessível ao nobre com iniciativa que iniciou este conjunto arquitectónico (a não ser que usasse um balão...).


2009-06-24

...in a storm in the Atlantic

Talvez por não existirem aparelhos domésticos de gravação de imagens na minha juventude, nunca adquiri o hábito de rever frequentemente filmes ou séries preferidas. Embora tenha gravado algumas cassetes de vídeo, parece-me que o acto de gravar tem servido mais para ficar descansado, sabendo que se quiser posso rever facilmente a obra, do que realmente para a rever.




As excepções a esta regra têm sido poucas e nelas se inclui a famosa série britânica "Reviver o passado em Brideshead" (Brideshead revisited) que vi na TV quando estreou em Portugal depois de Out/1981 (altura em que estreou em Inglaterra) e antes de Jun/1983, altura em que tive a oportunidade de visitar o Castle Howard, palácio protagonista da série, ao pé da cidade de York.

A primeira imagem, que foi tirada “congelando” a passagem do filme no PC, mostra o palácio como visto pela primeira vez por Charles quando lá levado por Sebastian.


A segunda imagem foi tirada da capa da edição da Penguin, mostrando as personagens Sebastian Flyte (Anthony Andrews), Julia Flyte (Diana Quick) e Charles Ryder (Jeremy Irons).

Tenho-me interrogado porque terá a série tido tanto sucesso e encontrei finalmente a resposta óbvia: se fosse fácil saber a razão do sucesso de uma série nunca se fariam séries fracassadas.

Mesmo reduzindo o objectivo para saber apenas porque me agradou tanto esta série, tenho alguma dificuldade em identificar os factores de sucesso.

Talvez um dos factores fosse uma perspectiva, pretensamente realista, da vida duma família decadente da nobreza de Inglaterra, numa época relativamente recente ou talvez a narrativa, entre o lento e o quase totalmente parado, feita pela voz extraordinária de Jeremy Irons, interpretando um dos personagens principais que assume também o papel de narrador.

No episódio intitulado "Julia" reparei a certa altura que a história estava a ser narrada por Julia, em vez de ser narrada como habitualmente por Charles. A série segue o livro com bastante rigor pelo foi fácil identificar o momento de transição: o narrador diz que fez uma pergunta a Julia, que toma a palavra assumindo por algum tempo o papel de narradora. O episódio termina com Charles retomando a narrativa dizendo que esta conversa com Julia tinha ocorrido dez anos depois da ocorrência dos factos, numa tempestade no Atlântico. Ficaram-me na memória estas palavras " ...in a storm in the Atlantic".

Nessa altura surge esta imagem que parece que se eterniza pois, ao ser filmada com uma teleobjectiva, o casal caminha afastando-se de nós mas permanecendo visualmente no mesmo sítio, com Charles apoiando-se sucessivamente nos pilaretes à sua esquerda.





Surpreendeu-me um pouco a presença do lenço da Julia, recordando-me que não há muitos anos as mulheres ocidentais usavam frequentemente lenços em situações de muito vento e também para se protegerem do sol. Desde que os penteados ficaram mais soltos que os lenços caíram completamente em desuso. O mesmo se passou com os chapéus dos homens, que antes pareciam tão necessários mas que afinal tinham também, suponho que à semelhança dos lenços das senhoras, uma componente simbólica importante.

A fechar o episódio o casal desaparece pelo lado direito do écran.


2009-06-11

Alyson Shotz, revisited

A teia de aranha recordou-me esta imagem duma obra de Alyson Shotz de que não sei o nome nem o sítio da net onde a obtive:




Já esta a seguir chama-se Coalescence e fui buscá-la aqui.




Neste blogue já mostrara "The shape of space", indicando então que se podiam ver mais obras da Alyson Shotz aqui.

2009-06-10

Teia de aranha

Os desenhos geométricos da renda de mármore são muito mais elaborados mas fizeram-me lembrar esta animação sobre como uma aranha faz a sua teia:

2009-06-08

Renda de Mármore



Muitas janelas indianas estão protegidas por placas de mármore em que foi removido uma parte muito substancial da pedra, formando rendilhados de geometria muito elaborada.

O objectivo será evitar a entrada excessiva do sol, tornando a casa mais fresca, sem impedir a circulação do ar. Por outro lado resguarda o interior de olhares indiscretos.

Tirei esta foto a uma dessas rendas de mármore, no interior do túmulo do sufi Salim Chisti, em Fatehpur Sikri, uma Brasília construída pelo Grão Mogol Akbar, entre Agra e Jaipur.

No exterior tirei ainda fotos a esta mesma estrutura, de que deixo aqui dois detalhes, um bocado desfocados porque deformei muito a imagem da foto para ela ficar rectangular em vez de trapezoidal:





Quando vejo estas estruturas penso sempre primeiro que seria muito agradável ter uma delas na minha casa, mas a seguir acho sempre que manter isto limpo de pó deveria dar uma enorme trabalheira. O mesmo me ocorreu quando vi aquelas paredes lindas com padrões geométricos em relevo no Alhambra.

Mais uma vez me aconteceu que ao escrever um post me documentei sobre um pormenor duma viagem, neste caso do que são os sufis, recorrendo à sempre útil Wikipédia.

Para quem tiver pouco tempo, resumo aqui que é um movimento místico dentro do Islão, de ascetas que tentam uma comunicação directa com a divindade, retirando-se um pouco do mundo. Mas nem sempre tanto como isso, como se constata na biografia do sufi Abd al-Qadir, uma pessoa generosa que lutou contra os franceses na Argélia.

2009-06-07

Eleições europeias

Sendo hoje em Portugal o dias das eleições europeias e estando este blog a falar do Taj Mahal, fui ver aqui que nas últimas eleições (em 2009) na União Indiana, dos 716 milhões de eleitores votaram 417 milhões, o que corresponde a uma taxa de participação de 58%. Será que na Europa conseguimos uma participação maior?

Adenda no fim do dia das eleições: a participação dos europeus nas eleições para o Parlamento Europeu em Jun/2009 ficou-se pelos 43,4%. Constato que a minha pergunta no parágrafo anterior, sobre se na Europa se conseguiria uma participação maior do que na União Indiana, revela grande ignorância quantitativa do que se tem passado em eleições anteriores.

No sítio do Parlamento Europeu mostram (Provisional 07 June 2009 at 22:47 CEST) que a taxa de participação baixou de 45.5% em 2004 para 43.4% em 2009, confirmando o decréscimo constante da participação desde 1979!

Em Portugal a participação ficou-se pelos 37%, também mais baixo do que em 2004. Em Portugal a taxa de participação tem sido sempre abaixo da média europeia.

No sítio da DGAI informam que votaram 3,6 dos 9,6 milhões de inscritos. Acho estranho haver tanto inscrito para uma população que no censo de 2001 era de 10,3 milhões de pessoas com 10,6 estimadas em 2008. Parte da abstenção deve derivar de falta de actualização dos cadernos eleitorais.